O Ciúme

A maioria das pessoas vive hoje à procura de passar uma imagem idílica de si aos outros. Esse lyfe style está a instalar-se principalmente na geração dos atuais adolescentes ou pré-adolescentes, mas também vemos os adultos aderirem a essa nova forma de estar e comunicar.

Essa necessidade de testemunhar perante os outros e o mundo uma vida ideal e cheia de bons momentos criados para alimentar “o estilo de vida” e a “máquina” da imagem em que a pessoa se colocou, gera um vazio e uma solidão cada vez maiores. Não temos como ir buscar fora o que precisamos alimentar dentro e a certa altura começamos mesmo a acreditar que somos o que idealizamos.

A própria sociedade de consumo é tão agressiva e erotizada, que bombardeia as pessoas milhares de vezes por dia com imagens de arquétipos femininos e masculinos que geram nas pessoas um desejo de perfeição física, ou de arquétipos de estilos de vida que fazem as pessoas ficaram presas e acreditarem que a felicidade é encontrada nessas formas de vida, ao invés de ser vivida dentro de nós e através da manifestação dos nossos talentos naturais.

Todo este vazio e ausência de presença e consciência de si mesmo são propícios ao aparecimento de sentimos como o ciúme.

O ciúme é um sentimento que todos os seres humanos experimentam nem que seja num determinado momento da vida. Ele é produzido pela percepção que a pessoa tem ou cria acerca da falta de exclusividade, dedicação, atenção ou cuidado de quem se gosta ou precisa.  

Na sua génese está um vazio de Amor que sentimos por nós próprios e que tentamos compensar com o Amor do outro, razão pela qual a sua manifestação dá origem ao medo de perder o outro ou de não ter a atenção e exclusividade dele.

Esse vazio de amor também gera a dúvida de que o outro possa na verdade nos Amar por inteiro. Como vivemos algum vazio de Amor por nós, é fácil duvidar e criar a realidade que o outro não nos Ama o suficiente. Na verdade só estamos a espelhar no outro o que fazemos connosco. Não existe confiança em nós e não será possível sentir confiança no outro, porque o outro é sempre um espelho perfeito do nosso mundo interior.

O ciúme também pode manifestar-se de uma forma mais indireta, não sendo nessa altura associado a pessoas, mas sim produzido pelo apego exagerado a algum bem material ou objetos. Também é possível se sentir ciúmes de objetos, hobbies, animais, entre outros, quando a pessoa de quem se precisa de atenção está dedicada a outras causas colocando-nos em segundo ou terceiro plano.

O ciúme está intimamente ligado à inveja no momento que produz desgosto ou tormento a um indivíduo, por ele não possuir algo que pertence a outra pessoa ou não ter um atributo que a outra pessoa tem.

Criar uma vida de comparação com o outro é uma grande fonte de sofrimentos que origina ciúme e inveja de forma espontânea e permanente.

O ciúme também pode ter um caráter positivo ou negativo. Quando o seu sentido é manifestado através do cuidado ou zelo por alguém, pode ser um sentimento positivo e onde é possível desenvolver qualidades internas. Mas se existe apego, necessidade de controlo excessivo, desejo que a pessoa amada não se relacione com outras pessoas, suspeitas constante de infidelidade, entre outros, o ciúme pode transformar-se em paranóia ou até em traços de personalidade border line.

Ciúme envolve um largo conjunto de emoções designadamente raiva, tristeza, inveja, medo, depressão e humilhação. Também é responsável pela criação de pensamentos de ressentimento, culpa, vitimização, comparação e autocomiseração. Todos estes sentimentos e pensamentos vão gerar reações físicas que podem manifestar-se em taquicardia, boca seca, aperto no peito, dores físicas, falta de ar, entre muitas outras formas de somatização.

Sentir ciúme é uma das melhores formas de aprendermos a conhecer os nossos vazios de Amor. Aproveitar para mergulhar na origem do sentimento é a opção certa, para voltar a Amar a parte de nós que não cuidamos e amamos o suficiente e que estamos de forma cega a projetar no outro.

Maria Gorjão Henriques

Revista Progredir

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